Van Gogh

Seu espelho é o mar, 
mergulhar em si mesmo pode causar euforia, inquietação. 
No abismo da expressão um precipício de cores.



o contra-senso de washington



os portenhos sob as patas do cavallo
os brasileiros nas "mãos limpas" dos tucanos
os "states" no jecanato do bush
o fmi metendo a mão na burra
o jader badalhando no senatus
incitatus relichando na curul
assim vive sob a "pax amerdicana"
o consulado infeliz do merco-sul
capital do brasil é buenos aires
são paulo é na bolívia ou no peru?

haroldo de campos



*foto: J. Carvalho

Ferida


fer
ida
sem
ferida
tudo
começa
de novo
a cor
cora
a flor
o ir
vai
o rir
rói
o amor
mói
o céu
cai
a dor
dói

Augusto de Campos

HEXAGRAMA 65

  Nenhuma dor pelo dano.
Todo dano é bendito.
  Do ano mais maligno,
nasce o dia mais bonito.

1 dia
  1 mês, 1
     ano.
/

paulo leminski, o ex-estranho.

Novos Poetas Mortos

A poesia se atirou dum precipício.
Levou um slam.
Ouvi um vrum-vrum,
buzinou fanha.
Ela está fora, saiu de moda,
medindo outros papéis feitos livros,
sem a mínima vontade de ser lida.


rascunho salvo
FORA DA ELETROSFERA CORIÁCEA ESCALPELA. O AR IN VADIO A ATULHAR O PULMÃO. PASSO POR UM FIO, PLATÔ DE PÉLAGO, LASSO CALAFRIO.

Lima, D.


Tudo acaba mas o que escrevo continua. O que é bom, muito bom. O melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas entrelinhas.


Lispector, C. Água Viva.
A um amigo da Luz

Não querendo cansar a vista e o senso,
Persiga o sol pela sombra!


An Einen Lichtfreund

Willst du nicht Aug' und Sinn ermatten,
Lauf auch der Sonne nach im Schatten!


Nietzsche, F. A Gaia Ciência; Companhia das Letras. Trad. Paulo César de Souza.
:pois poesia é pré prévia premonição
                 premência:
antes que algum outro aventureiro lance mão
:
perder o trono 
preservar o troar do trovão:
pois brasil é buraco de cárie
                paiol de banguelas
                           poço cego
               cacimba de carência:
viver nele é desvertebrar sôfregas verdades
                                                               obsoletas
borboletear mentiras com ofegante urgência
:
antes que algum outro aventureiro lance mão
:
perder o trono
preservar o troar do trovão:

Waly Salomão 

Janelas

Há um homem sonhando
numa praia; um outro
que nunca sabe as datas;
há um homem fugindo
de uma árvore; outro que perdeu
seu barco ou seu chapéu;
há um homem que é soldado;
outro que faz de avião;
outro que sai esquecendo
sua hora seu mistério
seu medo da palavra véu;
e em forma de navio
há ainda um que adormeceu.

João Cabral de Melo Neto

3.
O mar se vai
o mar de sono se esvai
Como se diz: o caso está enterrado
a canoa do amor se quebrou no quotidiano
Estamos quites
Inútil o apanhado
da mútua dor mútua quota de dano.

Maiakovski por Augusto

                                              
Caminha, verdeja,
Represa limpa e estática
Perfura profundo
Que metros não possam alcançar
Distrai o rapaz a palmos da margem
E corre recurso
Retoma o caminho que é teu
Cristal sobre poeira
Alaga  força da pedra em sutileza






foto *arquivo pessoal
A vida é grade e não há liberdade fora dela. A lua é grande e cabe na minha janela. A saudade é grande que nem cabe nessas linhas..


Nem Romântico
Nem Pós Moderno
basta ser concreto
“Quero ver ser provérbio”


Cuidado!



Direi logo sem tardança,
Para doer na lembrança,
Meu verso que não se cansa:
-Cuidado!-
Quem diante do Amor balança
Cansará de andar errado.

A velhice enruga o rosto,
Mas o Amor, sempre disposto,
A todos cobra o seu gosto:
-Cuidado-
Todos pagam esse imposto
Que nunca será quitado.

Amor é como a fagulha
Adormecida na hulha,
Que o fogo desembrulha:
-Cuidado-
Não pode fugir o pulha
Que pelo fogo é fisgado.

Direi do Amor como isca,
Que ora olha e ora pisca,
Ora beija, ora mordisca:
-Cuidado-
Será mais reto que risca
Se eu estiver ao seu lado.

Outrora o Amor era honesto,
Agora é torto e funesto,
É como um gato molesto:
-Cuidado!-
Ou te morde ou lambe, lesto,
Com língua de lixa armado.

Sua lei é traiçoeira,
Toma o mel e deixa a cera,
Só para si pela a pêra:
-Cuidado-
Para tê-lo na coleira
Melhor é vê-lo castrado.

Quem ao falso Amor se ata,
Com o diabo contrata,
Da o dorso à chibata;
-Cuidado!-
Quem muito se esgaravata
Acaba sendo escorchado.

O Amor nada tem de belo,
Mata a gente sem cutelo,
Deus não fez pior flagelo;
-Cuidado!-
Ao fero fará farelo
O Amor, se não for domado.

Amor faz ao modo de égua:
Todo o dia te carrega
E nunca mais te dá trégua;
-Cuidado!-
Que lá vai de légua em légua
Correndo desenfreado.

Eis como o Amor se aparelha:
Ele é cego e olha de esguelha,
Leve língua, atenta orelha;
-Cuidado!-
Morde mais doce que abelha,
Porém custa a ser curado.

Quem de mulheres é amigo
Com razão sofre castigo,
A Escritura diz comigo:
-Cuidado!-
Ficarás ao desabrigo
Se não fores avisado.

Marcabru, de Marcabru’a,
Foi engendrado em tal lua
Que sabe o Amor como atua:
-Cuidado!-
Ainda que do Amor não frua,
Não ame nem seja amado.

Marcabru. Tradução: Augusto de Campos

Tambor


Feito martelo
Prega e crava
Na barra da saia
Me chama atenção
Éter corrente
Ao som de bolhas
Esta lata d’água
Reina e inerva
Matéria nua e gostosa
Minério se encerra
Momento que pára
Início e Fim
É bala veloz
Que dispara
E desembrulha

Está tudo dentro da lei
Da Imprevisibilidade
Pode ocorrer aqui ou ali
Usa-se variáveis
Z, X, Y ...

Delírio

Nua, mas para o amor não cabe o pejo
Na minha a sua boca eu comprimia.
E, em frêmitos carnais, ela dizia:
– Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!

Na inconsciência bruta do meu desejo
Fremente, a minha boca obedecia,
E os seus seios, tão rígidos mordia,
Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.

Em suspiros de gozos infinitos
Disse-me ela, ainda quase em grito:
– Mais abaixo, meu bem! – num frenesi.

No seu ventre pousei a minha boca,
– Mais abaixo, meu bem! – disse ela, louca,
Moralistas, perdoai! Obedeci....

Olavo Bilac

Sua possibilidade 
Em sair de si
Meu exílio
É teu travesseiro.
Meus cabelos por você
Suas roupas em mim
Estão na gaveta
Se buscas
Taquicardia
Se deixas
Samba, enfim.

II

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

Alberto Caeiro
Bate o coração na boca.
Deixa louca ou besta.
Tira o leite das pedras e Lágrimas das feras.
É a brisa que passa e deixa marca de brasa.
Um novo lugar para o sol nascer.
Uma forma sábia de saber.
Não tem conserto.
Se admira de si mesma.
Lê nos olhos e nos astros
Tem gosto de sal.
Palma áspera.
Se abre em sim.
Esconde sustos.
Fica um pouco em tudo, ainda.
Entende o que a ave diz.
Parece ter saído de alguma lembrança antiga.
Não suporta o pouco.
É frêmito efêmero.
Azula os dias.
Arranca os pensamentos.
É um fantasma que falta.
Uma mudança que dança.
Um sim pra mim.
Tem pontaria certeira.
Entre as frestas.
Longe do alvo.
É uma festa que se afasta.
Ama o raro da impossibilidade.
Nos traz de volta.
Enche a vida, a casa e a praça de azaléias.
Amamenta uma estrela.
Faz o corpo pensar.
Disputa a primavera.
Perde a cabeça.
Não pede passagem.
Medita destinos.
Junca o capim.
Mantém vivo o verão.
Produz tesão.
Espia palavras.
Leva uma vida lascada.
Quer ficar só.
É estrela guia que atropela.
Desenha templos.
Faz chover melhor.
Não se escandaliza.
Olha com outros olhos.
Viaja parada.
É única para ser muitas.
Lua de outro sol.
Reflete o estranho.
Escolta barcas.
Papa o cata vento.
Nos tira daqui.
Passa pela minha janela.
Cai em golpes.
Só vai onde pisa.
Carrega o caminho.
Teima em viver.

Alice Ruiz
Roleta Russa

Um olho mira, um olho fecha
Desejo é flecha
A mão arrisca
Um olho vê, um olho cega
A bala, a mão, a mira
A espera, o disparo...

Meu coração atira
Ao alvo errado, e acerta...

Um olho mira, um olho fecha
Desejo é flecha
A mão arrisca
Um olho vê, um olho cega
A bala, a mão, a mira
A espera, o disparo...

Meu coração atira
Ao alvo errado, e acerta...

Um olho vendo, um olho veda
Desejo é fera
A mão atiça...

Antônio Cícero
 
  Salvador Dali - O nascimento do novo homem.



Cacion Tonta               

Mamá,
yo quiero ser de plata.
Hijo,
tendrás mucho frío.
Mamá.
Yo quiero ser de agua.
Hijo,
tendrás mucho frío.
Mamá.
Bórdarme en tu almohada.
¡Eso sí!
¡Ahora mismo! 
  
Federico García Lorca
            AS ROMÃS


Duras romãs entreabertas
Pelo excesso dos grãos de ouro,
Eu vejo reis, todo um tesouro
Nascer de suas descobertas!
Se os sóis de onde ressurgis,
Ó romãs de entrevista tez,
Vos fazem, prenhes de altivez,
Romper os claustros de rubis,

E se o ouro sece cede enfim
Ante a demanda ainda mais dura
E explode em gemas de carmim,

Essa luminosa ruptura
Faz sonhar uma alma que há em mim
De sua secreta arquitetura
.




Paul Valery (tradução: Augusto de Campos)
Por vezes evito,
Sou lasciva e estúpida, tenra.
Escalpo.

Nem-te-conto-de-Aniversário

Já deve ter recebido uns tantos “Parabéns” e mais umas “Felicidades” a essa hora. Logo, direi a ti mais nada. Talvez até devesse repeti-las, mas perdi-me no dizer.

Falarei então da Lua. Dessas que vejo à tardinha, são sempre minhas melhores, essas que sempre deixam as horas da espera ansiosas, das quais guardo quase todas as sensações de mais um reencontro, essas que me fazem tão bem.
Outro dia buscava o sentido da lua, mas ela esvaiu-se no céu e tornei a me incompletar. Descobri depois que ela não era das que fossem minhas, mas procurava em mim um lugar para existir, e em mim todos os dias nascia.
Eu ainda não sei por que falei da lua, queria mesmo era falar das flores. 
Deixa pra lá!

(Alcoólicas - I)

É crua a vida. Alça de tripa e metal.

Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livor da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha plúmbea, meu casaco rosso.
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d'água, bebida. A Vida é líquida.

Hilda Hilst
I

Despedaço pétalas de horas.
" Un poquito más "
Como viverei, senti.
Se estar dizendo,
Disco diperso.
"São memórias, Madalenas"
Dobro o papel e guardo.
Despeço.
Morena
Morena
Com que força você diz: morena
E aperta o meu corpo contra o seu
Sereno, seu olhar me leva ao delírio
Misterioso brilho
Da noite sem luar
Morena
A paixão só pode ser morena
Tranquila e perigosa feito o mar
E mesmo que eu naufrague,
Sempre vale a pena
Tempestade amena
Que me faz navegar
Meu bem, que estranha correnteza
Que da ilusão da terra firme
Quer me afastar
Que domina, aprisiona e me devora
E me arrasta mar afora
Pra me libertar
Morena
Não desejo mais que a cor morena
Que ilumina a cena
E me ensina amar
  
Composição: André Luiz Oliveira E Costa Netto
Intérprete: Maria Bethânia